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A mulher no mercado cervejeiro – entrevista com Amanda Reitenbach

O Science of Beer Institute é uma entidade focada em pesquisas na área da ciência cervejeira e na educação cervejeira através de cursos e treinamentos ministrados em cidades de todo o Brasil, em países América Latina, Europa e, recentemente, nos EUA. Por trás de tudo isso está a sua fundadora e CEO Amanda Reitenbach, um dos maiores nomes de representatividade da mulher no mercado cervejeiro do Brasil.

Formada em Engenharia Química e de Alimentos, Amanda dedica-se ao estudo da cerveja e seus temas paralelos desde sua graduação. Teve como como objeto de seu mestrado o desenvolvimento de uma cerveja probiótica que traz inúmeros benefícios à saúde, e concluiu recentemente seu doutorado na instituição alemã Versuchs-und Lehranstalt für Brauerei in Berlin (VLB) e.V.. Sua pesquisa consistiu no desenvolvimento de um nariz eletrônico para identificar compostos voláteis na cerveja.

Integralmente no mercado cervejeiro, dentre seus principais trabalhos mais recentes alguns se destacam:  finalista do prêmio Sinapse de Inovação com o tema Cerveja Probiótica; é a idealizadora e coordenadora/professora da pós-graduação em processos cervejeiros da Uniasselvi em Blumenau; foi jurada nos concursos World Beer Cup, European Beer Star, Copa Cervezas America, no Chile, South Beer Cup, na Argentina, Brussels Beer Chalenge, Stockholm Beer & Whisky Festival and Taste Experience, na Suécia; é coordenadora do Concurso Brasileiro de Cerveja desde sua primeira edição em 2012 e, no Science of Beer, é responsável pelas aulas de Técnicas de Degustação de Cerveja e Análise Sensorial.

Cerveja de Todos os Jeitos: Amanda, primeiramente é uma honra tê-la em nossa revista. Nossa primeira pergunta é sobre como entrou para o universo cervejeiro.

Amanda Reitenbach: Bom, quando eu fiz a graduação em engenharia química e engenharia de alimentos, eu tive aulas de fermentação e malteação, algo que despertou muito meu interesse e me deixou motivada a trabalhar com cerveja, mas ao mesmo tempo também tive muito interesse em atuar na área de laticínio. Com a dúvida, decidi fazer um estágio nas duas áreas para tomar essa decisão. O meu primeiro estágio foi em uma cervejaria e a partir de então eu tive certeza de que era com isso que eu gostaria de trabalhar. Nessa cervejaria eu também iniciei o meu projeto de mestrado, que foi o desenvolvimento de uma cerveja probiótica. A partir dessa etapa eu comecei a fazer diferentes cursos e treinamentos, sempre focada na parte científica.

Cerveja de Todos os Jeitos: O Science of Beer Institute é uma entidade focada na educação cervejeira através de cursos. Como surgiu o instituto e porque decidiu criá-lo?

Amanda Reitenbach: Como eu direcionei minha formação para a área científica, o Science of Beer surgiu com a ideia de unir o conhecimento à pesquisa sobre cerveja e se tornou uma entidade focada em pesquisa, desenvolvimento e educação cervejeira. Desde então a empresa já tem 9 anos e hoje trabalhamos não só com pesquisa e desenvolvimento para o mercado, mas também com treinamentos e cursos de cerveja em um modelo itinerante, abordando todo o Brasil, América Latina, Europa e agora os EUA também.

Cerveja de Todos os Jeitos: Quais as principais dificuldades que enfrentou no início? O fato de ser uma mulher no mercado cervejeiro interferiu?

Amanda Reitenbach: Acho que as principais dificuldades estão relacionadas ao nível de entendimento e conhecimento. Toda vez que um mercado começa a se desenvolver é sempre um processo de construção, daquilo que está vendendo, do que é o produto, então acho que as principais dificuldades que tive no início são mais voltadas a isso, a mostrar o que era o nosso serviço, os nossos produtos, o que eu acho que é inerente a qualquer setor novo ou empresa nova. Como mulher, diretamente, acho que desde o início eu me posicionei muito bem no mercado e esse posicionamento, embasado no fato de eu ter estudado bastante, de ser uma empresa bem estruturada, serviu como base para que as pessoas sentissem confiança em meu trabalho. Acho que no mercado temos grandes mulheres que deram muito suporte para isso acontecer, e menciono aqui a Kátia Jorge e Cilene Saorin que desbravaram muito e acho que elas tiveram mais dificuldade nesse sentido, por terem sido pioneiras e na época com o mercado bem masculino. Hoje já vemos a realidade do mercado brasileiro ter maior presença, mas isso é algo recente e acredito que esse trabalho da Kátia e da Cilene foram essenciais para que outras mulheres pudessem desfrutar desse mercado. Entendo que ainda existe sim o preconceito contra as mulheres e é algo que precisamos lutar diariamente, principalmente em relação a objetificação da mulher, com um trabalho de educação e conscientização em como se vende a cerveja, o consumo e o entretenimento. Não é só fazer um produto bom e colocar no mercado, mas ter a consciência de em como ele será vendido, como será enxergado, para cada vez mais desvincularmos conceitos estéticos e conceitos machistas dentro do universo cervejeiro.

Cerveja de Todos os Jeitos: Chegamos em 2018 com uma participação cada vez maior das mulheres no mundo cervejeiro. Ainda assim, é possível escutar que cerveja não é coisa de mulher?

Amanda Reitenbach: É claro que vivemos um momento no qual a informação é mais disseminada, se fala mais abertamente sobre tudo e onde a mulher tem buscado igualdade como um todo. Hoje em dia é mais fácil lidar com esse assunto, mas claro que ainda se escuta que cerveja não é coisa de mulher. Existe ainda muito esse tipo de preconceito, ainda temos um caminho para percorrer e o trabalho está na educação e conscientização por todos as partes envolvidas no universo cervejeiro, seja fabricante, importador, distribuidor ou lojista. Fico feliz em ver que muitas mulheres têm ingressado no universo cervejeiro, não só como sommeliers, mas na fabricação e em todas as esferas onde a cerveja está presente e acho que cada vez mais isso tende a crescer e mostrar para as pessoas que cerveja não tem “rótulos” e é para todo mundo.

Cerveja de Todos os Jeitos: Recentemente, vimos lançamento de cervejas “ditas” para mulheres. Apesar da comunicação não clarear esse papo, fica evidente a segmentação. O que você acha disso?

Amanda Reitenbach: Nesse ponto, acho que esbarramos em vários tipos de preconceitos. Nós temos cervejas de todos os tipos e para todos os gostos e citando o velho ditado de que gosto não se discute, ele é algo muito pessoal e está relacionado à cultura e experiência de cada indivíduo. Não há como dizer que exista cerveja para homem ou para mulher, embora possamos observar tendências regionais e culturais, essas sim são mais marcantes e determinantes. Mas em relação a estilos e a tipos de cerveja, leva-se em consideração muito a experiência de cada um, logo essas cervejas específicas não devem ser criadas ou assim rotuladas. Outro ponto que também devemos tomar muito cuidado é que o fato de tomar uma cerveja forte não necessariamente está relacionado ao seu entendimento sobre a cerveja, ou ao seu potencial gastronômico ou cervejeiro. Muitas vezes eu observo alguns tipos de imposição como “eu sou mulher, mas tomo cervejas extremamente alcoólicas ou amargas”, o fato é que não precisamos de determinados tipos de cerveja ou impor isso como um gosto de consumo para afirmarmos que pertencemos a esse ambiente. Você pode gostar da cerveja que quiser, o gosto é de cada um e nenhum parâmetro de intensidade está correlacionada a conceito gastronômico, a fragilidade ou qualquer outro conceito que venha a existir. Todo tipo de cerveja pode ser consumido por qualquer tipo de público, sem restrições a estereótipos.

Cerveja de Todos os Jeitos: Como mudar esse mercado que ainda enxerga a mulher como sexo frágil para cervejas extremas?

Amanda Reitenbach: Diálogo e comunicação são essenciais para informar, educar e acabar com tantos preconceitos ligados ao consumo, ao produto e à inserção cultural. Acredito que esse é o pilar para desconstruir tudo isso.

>>> Como está o mercado cervejeiro no Brasil? <<<

Cerveja de Todos os Jeitos: Falando sobre mercado cervejeiro do Brasil, a quem devemos o avanço da cerveja artesanal no país?

Amanda Reitenbach: Acho que tem muitas mãos por trás disso, envolve o trabalho de muitas pessoas, desde as cervejarias, as escolas que estão trabalho com a educação do público consumidor, os bares, restaurantes, os festivais de cerveja, todos esses ambientes criam uma exposição e um interesse muito grande pela cerveja. Isso tem feito com que o mercado se desenvolva cada vez mais. O trabalho por parte de todos é muito importante e essencial para que o mercado avance e cresça mais.

Cerveja de Todos os Jeitos: Sobre lançamentos, estilos e etc, o que você espera do mercado para os próximos anos?

Amanda Reitenbach: Eu gostaria de ver muita inovação. Os estilos clássicos de cervejas são muito importantes e irão sempre existir, mas acredito que quanto mais inovação, não só em matéria prima, mas também em métodos de fabricação, em processos que ainda não existem, seria muito interessante para chegarmos em novos estilos e novos tipos de cerveja. Acho que as cervejarias devem apostar nessa inovação para os próximos estilos e acredito que tem tudo para isso acontecer e é o que iremos observar nos próximos anos.

Cerveja de Todos os Jeitos: Por fim, quais são seus projetos futuros, há alguma novidade que possa nos contar?

Amanda Reitenbach: Temos várias novidades que estão para acontecer. Estou trabalhando em alguns projetos que possivelmente serão lançados nos próximos meses, voltados para o conteúdo de educação, pesquisa e formação cervejeira. A dica é ficar de olho nas redes sociais do Science of Beers, que iremos divulgar muitas novidades ainda para esse.

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Escrito por Ana Paula Komar

Jornalista, apaixonada por história, curiosa por culturas e apreciadora de boas cervejas!