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O “boom” da cerveja Sour no Brasil

Água, malte, lúpulo, levedura e uma pitada, às vezes generosa, de acidez. Assim é a cerveja Sour, um estilo que tem como principal característica o sabor ácido ou azedo, que desafiou o paladar dos consumidores e vem ganhando espaço no mercado brasileiro.

Por muito tempo os estilos mais leves, principalmente o American Lager, eram os mais conhecidos pela grande massa e dominavam o mercado, mas de uns anos para cá o cenário cervejeiro no Brasil começou a mudar. Hoje são mais de 1000 cervejarias registradas no Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), sem contar as ciganas – que não possuem sede própria e utilizam o espaço de outras cervejarias para realizar suas produções; e junto com o crescimento veio a diversidade de rótulos e estilos produzidos por aqui.

Além da IPA e suas variações, como a New England IPA, que faz enorme sucesso nas produções brasileiras, outro estilo de cerveja que está despontando no segmento é a cerveja Sour, ou cervejas azedas.

A categoria Sour inclui uma gama de estilos de cervejas, que têm a acidez como ponto em comum. Há as cervejas Sours mais tradicionais como as belgas Lambics e a alemã Berliner Weisse, e outras mais modernas, como as American Wild Ales, as azedinhas da terra do Tio San, e a mais recente Catharina Sour, estilo brasileiríssimo!

Um pouco de história sobre a cerveja Sour

Lambic é a cerveja ácida mais tradicional e, somente as cervejas produzidas em Lambeek e Pajottenland, na Bélgica, podem utilizar o nome Lambic em seus rótulos. Ela é produzida pelo processo de fermentação espontânea e com leveduras selvagens. Os tanques de fermentação ficam abertos para serem contaminados pelas leveduras do ambiente e, inclusive, já foram encontrados mais de 80 microrganismos em uma Lambic. O estilo possui algumas variações: Straight/Unblended, que se refere a Lambic pura; Fruit Lambic, que conta com adição de frutas; Gueuze, que é um “blend” de Lambics novas (1 ano) e antigas (2 a 3 anos), retirada de diferentes barris e engarrafadas para uma segunda fermentação; e Faro, com adição de candy sugar, açúcar mascavo ou melaço de cana.

 

A Alemanha também possui as suas azedinhas. Um estilo que era bastante comum antigamente e hoje voltou com tudo para o mercado é o Berliner Weisse, originário de Berlim. Essas cervejas normalmente usam 50% de trigo, levedura de fermentação alta e Lactobacillus. Além dela temos também a Gose, classificada no BJCP como Historical Beer, teve origem na Idade Média, na cidade de Goslar. São cervejas de trigo altamente carbonatadas, ácidas e frutadas, que utilizam em suas receitas sal não iodado, semente de coentro e lactobacillus. Isso as torna quase exóticas, mas muito refrescantes.

Já as American Wild Ales são interpretações modernas das Belgian Wild Ales feitas por cervejeiros artesanais americanos e fermentadas de forma controlada. São ramificadas em Brett Beer, Mixed-Fermentation Sour Beer e Wild Specialty Beer. Os americanos encontraram nesse estilo muitas possibilidades criativas para suas receitas e o país possui hoje uma grande variedade de cervejas Sours.

E a Catharina Sour?

cerveja Sour

No fim de 2015, quando as cervejarias catarinenses começaram a produzir cervejas baseadas na Berliner Weisse, mas com adição de frutas, acabaram por iniciar um movimento que vem ganhando cada vez mais força e adeptos no Brasil. Em 2016, a Acasc (Associação das Micro Cervejarias Artesanais de Santa Catarina) em iniciativa conjunta com cervejeiros do estado de Santa Catarina, decidiram propagar esta cerveja com personalidade brasileira. Sua base é uma cerveja de trigo de alta fermentação, com adição de frutas, acidificada com lactobacilos e fermentada com cepas de leveduras neutras.

Nomeado de Catharina Sour, em homenagem ao pioneirismo do estado na produção das artesanais, o estilo foi alvo de polêmica por todo o país. Os questionamentos sobre esse ser ou não um novo estilo foram sanados em junho de 2018, quando numa revisão do BJCP (Beer Judge Certification Program) a Catharina Sour entrou provisoriamente para o apêndice levando o código X4. Ela será avaliada por um período para somente depois se estabelecer se entrará definitivamente para o guia de estilos.

De acordo com a catalogação, a Catharina Sour é uma ale de trigo leve e refrescante, de teor alcoólico médio e amargor imperceptível. Acidez assertiva com destaque no aroma e sabor da fruta adicionada na receita, e pode ser complementada por especiarias. A graduação alcoólica varia de 4% a 5,5%.

Tendência ou modismo? Como a cerveja Sour está ganhando espaço?

Nos EUA, desde 2015 já havia uma forte tendência pelo estilo, inclusive nesse mesmo ano o autor do livro American Sour Beers, Michael Tomsmeire, esteve em Santa Catariana palestrando sobre o assunto – algo que possivelmente ampliou a tendência em produzir o estilo em solo brasileiro. “De lá para cá o mercado amadureceu, cresceu e hoje as Sour Beers são uma realidade palpável em bares, empórios e mesmo nos supermercados. Talvez um dos fatores desse aumento seja que, diferentemente das previsões, essas cervejas estão sendo apreciadas não só pelos fãs da cerveja mais assíduos como também por aqueles mais novatos, que buscam algo leve e refrescante”, comenta Luís Celso Jr., jornalista e beer sommelier.

Para alguns especialistas a evolução, ou melhor, ampliação do paladar é um ponto que avança em favor das cervejas azedas. À medida que nos acostumamos com determinados sabores, buscamos novas experiências e nos permitimos provar mais. Quando já estamos habituados a determinados paladares somos naturalmente desafiados a experimentar novidades e, ao passo que temos acesso a variedades, alguns aspectos passam a agradar mais, como a refrescância e acidez das Sours. “Acredito que é uma questão de evolução de paladar das pessoas ao começar a consumir cervejas artesanais. Seria um caminho contraditório começar com Sour, porém também não descarto, afinal o nosso clima ajuda muito, já que estamos falando de uma cerveja muito refrescante”, afirma Erik Ieger Dobrychtop, sócio proprietário da cervejaria Lobos.

cerveja Sour

“As Sours desafiam o meu paladar e me tiram da zona de conforto, mas ao mesmo tempo mantêm tudo o que procuro em uma cerveja: aroma, sabor e equilíbrio. A cerveja Sour geralmente é frutada, aquela cerveja que em um gole faz seu paladar se aguçar e extrair o máximo dos sabores, enchendo acerveja sua boca de água para o próximo copo”, complementa Nicolas Colaço, analista de marketing no Clube do Malte e apreciador de cervejas especiais.

Outros, no entanto, acreditam que esse tipo de cerveja combina com o paladar do brasileiro e o clima tropical do país e por isso vem ganhando mercado. “Acidez e frutas. O paladar brasileiro aceita bebidas ácidas, como sempre foram os refrigerantes, por exemplo. E frutas, pois estamos em um país tropical. A Catharina Sour, uma representante brasileira das cervejas ácidas, traz a união desse universo: frutas em primeiro plano, com acidez e muito equilíbrio”, afirma Leandro Silvino Stein, gerente comercial da cervejaria Lohn Bier.

E há também os que apostam na inovação como diferenciação no mercado. “Gostamos muito de inovar e de movimentar a cena cervejeira local. Além disso, entendemos que a diversidade de sabores é um dos fatores que permeiam a busca por novos apreciadores. As Berliner Weisse, em seu estado mais puro, já sustentam essa abordagem, e sustentam ainda mais quando abrasileiradas pela adição de frutas e ingredientes inusitados, como o morango e o cacau inseridos em nossa Sensa sour”, explica José Marcelo Popi, sócio administrador da Ignorus Cervejaria.

As estatísticas acerca da cerveja Sour

cerveja Sour

O Brasil ocupa a terceira posição no ranking dos maiores produtores de cerveja no mundo. Segundo levantamento da Bath-hass Group, o país registrou cerca de 13.334 bilhões de litros em 2016, porém em relação às cervejas artesanais os números e estatísticas ainda são escassos. No entanto é possível notar o crescimento da busca pelas cervejas ácidas, principalmente por aqueles que atuam no setor e desenvolvem suas próprias ferramentas de pesquisa. O Brewpub Capitão Barley, de São Paulo, realizou um estudo que apontou os estilos Berliner Weisse e Gose como uns dos mais consumidos durante o ano de 2018.

Com o objetivo de entender melhor e comprovar a crescente tendência de consumo da cerveja Sour, o Clube do Malte realizou um levantamento que traz dados das compras feitas no site, de janeiro a agosto de 2019. O estudo mostrou que tanto a entrada de cervejas desse estilo no estoque, quanto as vendas aumentaram gradualmente. Em janeiro as vendas somaram 170 garrafas de cerveja Sour, com um salto em março para 828 garrafas, abril com 1.719 e uma média de 522 nos meses seguintes.

Fato é que os brasileiros estão experimentando novos estilos, buscando o diferente e apostando em novos sabores para seus paladares.

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Escrito por Ana Paula Komar

Jornalista, apaixonada por história, curiosa por culturas e apreciadora de boas cervejas!