cerveja orval
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Orval: a abadia de uma só cerveja

A Abbaye d’Orval – ou Abadia de Orval – tem um lugar muito especial neste coração cervejeiro, é responsável pela cerveja Orval. Foi, ao mesmo tempo, o primeiro monastério trapista que conheci e a primeira visita cervejeira que fiz em terras belgas. Chegamos em Dinant, uma belíssima e pequena cidade no sul da Bélgica, em uma quarta-feira ensolarada. Apesar do maravilhoso clima e da felicidade em degustar muitas taças de Leffe – neste caso leia-se “cerveja local” –, estava mesmo com a cabeça no passeio do dia seguinte. 

Não conseguia controlar a ansiedade porque não sabia bem o que esperar de uma visita em um mosteiro que produz cerveja para sua subsistência e é referência mundial. Por outro lado, não havia conseguido agendar a visita guiada, elas são bem restritas e exclusivas para grupos grandes. De toda forma, na manhã seguinte tomamos café às margens do Rio Mosa observando, do outro lado, a Abadia Notre-Dame de Leffe e seguimos para a Orval. A intenção era chegar cedo para visitar a Abadia da Rochefort na sequência. 

Cervejas trapistas – uma tradição dos mosteiros

Ponto de partida

cerveja orval

O trajeto era de pouco mais de uma hora e optei pela estrada de alto tráfego, pois nesta época ainda não tinha desenvolvido meu lado Indiana Jones da cerveja que faz questão de ir pelo interior e desfrutar das belas paisagens. De longe já avistei as lindas instalações monásticas de grandes proporções. Eu realmente não esperava encontrar tamanhas edificações na única abadia do planeta que faz cerveja refermentada com levedura selvagem. 

A entrada dos visitantes se dá pela lojinha, onde fomos recepcionados por um monge muito atencioso. Fez uma breve explicação de tudo que teríamos acesso durante a visitação autoguiada e disse que nos arrependeríamos se não almoçássemos no restaurante da abadia. Achei estranho, porque ainda era bem cedo e na hora do almoço estaríamos chegando na Rochefort, mas mesmo assim agradecemos e iniciamos o tour.

Surpresas do começo ao fim

Saímos da loja e entramos no jardim principal. Foi então que entendi o motivo de indicar o restaurante: nossa visita ia levar muito tempo se quiséssemos ver tudo. Mesmo a visita não-guiada vale muito a pena! O começo se dá em um pátio maravilhosamente bem cuidado, com uma árvore estilo Senhor dos Anéis no centro. De um lado, o que eles chamam de jardim medicinal, com plantações de ervas que curam e promovem bem-estar, com vistas às instalações do mosteiro. Do outro, as ruínas das instalações originais. A Abadia da cerveja Orval é secular e passou por diversos períodos de guerras e alguns incêndios, mas apesar disso ainda mantém as ruínas das primeiras edificações em condições relativamente boas. Uma verdadeira viagem no tempo.  

Na sequência, passamos por uma espécie de túnel que faz uma passagem por baixo dos atuais aposentos do monastério e é todo decorado com objetos relacionados à história da Orval e alguns relativos à produção de cerveja. Para finalizar, passamos por um museu que oferece uma visita interativa, contando muito da história do monastério e da produção da única cerveja fabricada por eles. O ponto alto desta parte foi a tina de cobre em ótimo estado de conservação, muito usada antigamente. Da forma como está instalada no museu, parece até que está em uso nos dias de hoje.

Antes de ir embora contemplamos mais um pouco o pátio principal do monastério, que mesmo sem acesso físico permitido aos visitantes nos deixa apreciar de longe a beleza e calmaria vivida pelos monges. Qualquer tentativa de descrever esse sentimento seria muito minimalista.

Compras e degustação!

Na saída, com passagem obrigatória pela lojinha, agradeci ao religioso que nos atendeu de início e, obviamente, comprei duas taças que eternizariam as memórias na cristaleira de casa. Como o sábio monge havia indicado inicialmente, já era passada a hora do almoço e, após essa visita tão intensa e, ao mesmo tempo, relaxante, tudo que queria era mesmo degustar a cerveja produzida ali com uma ótima refeição.

E assim foi. Saímos da loja e fomos direto para o restaurante da própria abadia. Antes mesmo de escolher o prato já pedi a cerveja da casa, que leva o mesmo nome do monastério. A cerveja Orval é uma trapista incomum: não se encaixa em nenhum estilo tradicional, mas lembra uma Belgian Pale Ale mais lupulada, em virtude do dry hopping, e com notas rústicas, em função da refermentação na garrafa com brettanomyces, uma levedura selvagem que traz notas de funk e couro. Degustar essa iguaria na fonte é algo icônico para os amantes do líquido sagrado.

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Então, finalmente almoçamos. O prato escolhido foi uma carne ao molho da cerveja da casa acompanhado de muita batata frita, e, claro, mais uma taça de Orval. Totalmente inesquecível.

Uma visita que poderia ser rápida e apenas simbólica acabou levando quase o dia todo e chancelou a vontade de conhecer mais monastérios e cervejas de abadia. Ah, a Bélgica e suas muitas histórias. Santé!

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Escrito por Enzo Molinari

Administrador de empresas e amante da cultura cervejeira. Homebrewer, beer sommelier e sócio-cervejeiro da Fanky Folks