Além da pesquisa com os consumidores sobre o mercado cervejeiro durante a pandemia, conversamos com alguns cervejeiros e cervejeiras que são proprietários de cervejarias ou de empresas com atividade diretamente ligada ao setor, para entender como lidaram com as dificuldades vindas com a pandemia em 2020, quais as soluções que encontraram para driblar a crise econômica, quais os aprendizados, mudanças e oportunidades que obtiveram com esse período e quais as perspectivas para 2021.
Participaram conosco dessa entrevista a Amanda Reitenbach, CEO do Science of Beer, a Luiza Lugli Tolosa, sócia-fundadora da Cervejaria Dádiva, a Maíra Kimura, sócia proprietária da Japas Cervejarias, o Marcelo Magnabosco, sócio-fundador da cervejaria Abadia da Gerais, o Rodrigo Ferraro, sócio proprietário e cervejeiro da Irmãos Ferraro Microcervejaria e o Wellington Alves Filho, sócio proprietário da cervejaria 5 Elementos.
Confira a seguir a entrevista na íntegra com esses profissionais.
Qual foi o principal desafio da marca no ano de 2020 com a pandemia?
Amanda Reitenbach: Saber lidar e inovar na impermanência. E que para a riqueza e crescimento temos que entender que a natureza de todo fenômeno é a impermanência. Se você estiver desperto e atento, o único caminho é crescer e evoluir.
Luiza Lugli Tolosa: O maior desafio foi continuar próximo aos nossos clientes consumidores finais, especialmente. Como não tivemos eventos ou a possibilidade de ir aos bares, foi difícil manter esta relação direta com os clientes. Mas, através de eventos online e mídias sociais, conseguimos estar um pouco mais próximos.
Maíra Kimura: O principal desafio foi lidar com uma queda abrupta e repentina de faturamento, já que vários bares e restaurantes tiveram que fechar e havia muita incerteza, mesmo os que continuavam abertos em esquema de delivery e retirada, não estavam comprando quase nada – com razão! Uma questão importante também foi que tínhamos um estoque de chope que era normal dentro do nosso planejamento, mas que acabou ficando muito tempo pra girar, já que a maioria dos estabelecimentos que estavam abertos começaram a comprar bem mais latas e garrafas em detrimento de barris de chope.
Marcelo Magnabosco: A pandemia provocou um impacto generalizado na cadeia produtiva cervejeira, mas para a Abadia o principal desafio foi o fechamento dos principais canais de distribuição, bares e restaurantes. Devido ao nosso porte, não estávamos inseridos nas grandes cadeias de supermercados e não tínhamos um setor dedicado ao delivery. Mas com o passar dos meses outros problemas começaram a surgir, como o fornecimento de insumos que se tornaram escassos e mais caros, por exemplo.
Rodrigo Ferraro: Nosso principal desafio foi manter a empresa aberta. O bom relacionamento com todos os nossos fornecedores, desenvolvido por uma década, nos proporcionou o fortalecimento de parcerias que foram além de cliente/fornecedor, mostrando o quanto foi importante sermos sempre sérios e cumpridores de nossas obrigações desde o primeiro dia de abertura da Irmãos Ferraro. Outro grande desafio, e orgulho para a Irmãos Ferraro, foi a manutenção de todos os seus funcionários durante a crise, inclusive dando oportunidade a mais uma pessoa, gerando um novo posto de trabalho dentro da empresa.
Wellington Alves Filho: O principal desafio foi manter o negócio funcionando, mesmo a passos mais lentos, tendo que se reerguer diante do tombo causado pela pandemia. Muitas das microcervejarias já trabalhavam no limite em um cenário sem o COVID, de modo que com a pandemia instalada muitas tiveram que fechar. Foi triste ver sonhos destruídos de maneira tão abrupta. Tudo isso sem levar em conta a situação de saúde de muitos colegas, amigos e parentes que pegaram a doença. Nessas horas o fundamental é manter a saúde mental e física, tentando trazer alguma coisa produtiva para os seus negócios
Como vocês lidaram com as dificuldades vindas com a pandemia? Quais as soluções que encontraram para driblar a crise? Que ações de fato foram tomadas?
Amanda Reitenbach: “Quando aparecer um deserto, atravessa ele”- disse Ailton Krenak, líder indígena, escritor e ativista. E assim atravessamos o desértico 2020, com muita sede! No ano do sol, ele esquentou, iluminou as mais duras sombras e resgatou em nós a consciência e a importância de nos mantermos conectados, independente do cenário que o mundo e as adversidades nos apresente. Conseguimos! Nos reunimos, realizamos e criamos juntos”. Esse foi o trecho de encerramento do Beer Summit e que traz muito do que vivemos nesse último ano. Nossas ações foram focadas em manter as atividades do Science of Beer e Beer Summit na forma digital, com segurança e com experiências educativas reformuladas para esse formato. Desafiador! Mas crescemos, aprendemos e encontramos o caminho para continuar levando educação cervejeira ao mundo todo de forma atrativa e muito responsável.
Luiza Lugli Tolosa: Com certeza o fechamento dos bares, o nosso maior canal, foi bem impactante. Em alguns meses, tanto os clientes donos de bares, quanto os consumidores finais entenderam a nova dinâmica e que podiam garantir a sua cerveja artesanal, fresca, inclusive os lançamentos, na sua casa. As lives ajudaram a apresentar os produtos a ainda mais gente. Fizemos algumas lives com consumidores finais que foram bastante empolgantes. Também lançamos o nosso e-commerce, com o objetivo de oferecer packs de 12 unidades aos amantes dos estilos, e acessórios da Dádiva.
Maíra Kimura: Nós fizemos algumas ações junto com os pontos de venda para incentivar vendas e também começamos a fazer algumas ações de divulgação da marca. Outra coisa que fizemos foi lançar nossa loja online, a Arigatou, com produtos relacionados à Japas. Nela, vendemos camisetas, bonés, pins, bolsas. Isso também ajudou a termos um faturamento um pouco melhor.
Marcelo Magnabosco: Nas primeiras semanas do lockdown nós paramos todas as atividades na cervejaria, nossa prioridade era e ainda é a saúde dos nossos colaboradores. Depois começamos a pensar de que forma iríamos distribuir nossos produtos, garrafas e barris, para que pudéssemos honrar os compromissos financeiros. A resposta foi fazer ações e conteúdos pensados exclusivamente para o cliente final, oferecendo delivery de garrafas com frete grátis, seguindo todos os protocolos de proteção à saúde, pontos de delivery de chopp em PDV’s parceiros e fortalecendo a parceria com e-commerces como o Clube do Malte.
Rodrigo Ferraro: As dificuldades do setor cervejeiro foram apenas um reflexo de toda a sociedade mundial. Lidar com crises é uma forma de fortalecer e blindar a empresa. Nossas soluções principais foram as negociações diretas com todo a cadeia de fornecedores, tanto de insumos, como de materiais do dia a dia e, principalmente, olhar para dentro da empresa e ver o que estava errado, no que se gastava demais e sem necessidade e controlar a gestão total do negócio de uma maneira que qualquer real gasto fosse justificado.
Wellington Alves Filho: Tivemos que readaptar as nossas produções, tanto em quantidade, quanto ao tipo de cerveja produzida. Durante a pandemia tivemos um decréscimo no primeiro momento no volume entregue para bares especializados, ficando as atenções mais voltadas para o varejo de supermercados e alguns pontos de delivery. O e-commerce funcionou bem nesse período. Essa mudança de estratégia reflete claramente o perfil de consumo durante a pandemia, obviamente voltado mais para o ambiente domiciliar. Desse modo, otimizamos a produção de estilos que tinham mais saída para esse perfil de cliente.
Quais os aprendizados, mudanças e oportunidades que obtiveram com esse período e que levarão adiante?
Amanda Reitenbach: Reformulamos nossas metodologias, materiais, estratégias, equipe e cursos. Tudo que criamos em 2020 permanece e agora faz parte de uma nova possibilidade para estudar cerveja.
Luiza Lugli Tolosa: É muito importante ter criatividade para ultrapassar barreiras. Com ela, pudemos sobreviver a este ano, sem nos distanciar de quem nos faz estar vivos: nossos clientes.
Maíra Kimura: Acho que nós voltamos bastante pra dentro, pra nos entender como marca e como profissionais também, e foi bastante importante esse tempo pra gente amadurecer. Também aprendemos que somos bastante resilientes e que conseguimos superar desafios se usarmos nossa criatividade.
Marcelo Magnabosco: Amadurecemos anos em meses, passamos a pensar o negócio muito mais de fora para dentro, como passamos a estar em contato com o consumidor final, escutamos muito mais as sugestões, percepções e críticas. Esse intenso feedback tem orientado todas as nossas ações, como desenvolvimento de novos produtos, serviços e projetos colaborativos. Mesmo que ele não represente a mesma fatia de vendas quando os bares reabrirem, manteremos o delivery e várias lições que aprendemos de marketing digital.
Rodrigo Ferraro: O principal aprendizado que tivemos foi que por pior que seja o momento, sempre com calma, com estudo e com relacionamento, podemos dar a volta por cima e definir caminhos assertivos a seguir.
Wellington Alves Filho: A pandemia veio, mas assim como outras crises, o fim era previsível. Uma hora acaba (ou pelo menos melhora a situação). Com a gradual retomada da economia, observamos uma explosão de consumo que simplesmente não conseguíamos dar conta. Da mesma forma, os produtores de insumos também viram seus estoques acabarem com a demanda reprimida crescente. Desse modo, a manutenção da cadeia produtiva, mesmo no cenário de crise, pôde nos dar sustento e sobretudo nos fez aproveitar melhor o momento da retomada. Fica o aprendizado.
O que esperam, quais as perspectivas para o ano de 2021 no mercado cervejeiro?
Amanda Reitenbach: 2021 já começou cheio de desafios, temos a vacina! Graças à ciência e cooperação de muitos, mas ainda estamos distantes de um cenário calmo para eventos, aglomerações e vida normal. Assim teremos que ter calma, jogo de cintura e vamos ter que driblar mais uma vez a impermanência. Que sejamos responsáveis por nós e por todos à nossa volta para realizar somente o que seja seguro, que sejamos coletivos, que sejamos plurais e que tenhamos muita criatividade.
Luiza Lugli Tolosa: Acreditamos que o primeiro semestre ainda vai sofrer com a pandemia. Mas com um ânimo maior, e a aplicação massiva da vacina, acreditamos que o segundo semestre será um momento de colher toda a resiliência e resistência depositadas nestes últimos meses.
Maíra Kimura: Para 2021 esperamos a vacina, a retomada da economia, mas deve ser um ano ainda confuso, em que teremos que continuar nos reinventando e criando bastante para nos diferenciar. As perspectivas já são melhores, muitas pequenas empresas (as que não fecharam) estão retomando o fôlego e o cenário parece mais promissor que ano passado.
Marcelo Magnabosco: O consumo de cerveja nos canais on-trade demorará alguns anos para recuperar o volume de vendas pré-pandemia, e provavelmente nunca mais representará o mesmo percentual do mercado, devido à aceleração dos canais de venda online. Todas as transformações recentes do Clube do Malte mostram que o mercado de vendas online de cerveja tende a ganhar cada vez mais sofisticação, oferecendo aumento de conveniência para os consumidores. Certamente está nos planos da Abadia estreitar ainda mais nossas parcerias com o Clube, além de melhorias do canal próprio.
Rodrigo Ferraro: O ano de 2021, em relação ao crescimento e reaquecimento do mercado cervejeiro, tende a ser calmo em seu início pelo tempo que a vacina contra o coronavírus ainda levará para imunizar a população toda. Mas esperamos que, assim que tudo voltar ao normal, ainda em 2021 ou 2022, seja um momento de grande avanço por parte do mercado em termos de consumo e inovação, estando a Irmãos Ferraro pronta para suprir a tudo isso, com planos novos já em andamento, parcerias diferenciadas e muita coisa interessante e surpreendente a oferecer ao consumidor que sempre nos apoiou.
Wellington Alves Filho: 2021 será um ano que tem como comparativo um ano anterior ruim. Creio que isso deve ser levado em conta pelas cervejarias, mas reitero que 2020 não deve ser um balizador para esse ano que se inicia. 2021 deverá ser um ano de oportunidades a serem tomadas, de modo que as empresas precisam manter padrões elevados para não caírem na falácia de que será um ano melhor, simplesmente porque pode ser melhor do que 2020. Que venha um ano repleto de desafios, isso sim, mas que possibilite a real retomada das atividades das pequenas empresas. E que as microcervejarias encabecem um movimento mais solidário e inclusivo. Ah, e claro, que estejamos todos devidamente vacinados!
Nosso objetivo com esse estudo foi compreender quais os hábitos e costumes dos consumidores de cervejas especiais, levando em conta um ano de pandemia, contando também com experiência dos profissionais que enfrentaram esse período de crise e, desse modo contribuir com o crescimento da bebida no país, difundir a cultura cervejeira e fomentar a apreciação desta bebida milenar. Você pode ler a primeira parte da pesquisa AQUI!